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Saturday, January 26, 2013

CAPITÃES DA AREIA - Jorge Amado

"Depois o Sem-Pernas ficou muito tempo olhando as crianças que dormiam. Ali estavam mais ou menos cinquenta crianças, sem pai, sem mãe, sem mestre. Tinham de si apenas a liberdade de correr as ruas. Levavam vida nem sempre fácil, arranjando o que comer e o que vestir, ora carregando uma mala, ora furtando carteiras e chapéus, ora ameaçando homens, por vezes pedindo esmola. E o grupo era de mais de cem crianças, pois muitas não dormiam no trapiche. (...) Nunca, porém, era como um menino que tem sua casa. O Sem-Pernas ficava pensando. E achava que a alegria daquela liberdade era pouca para a desgraça daquela vida." (Capitães da Areia, pg. 44). 
O livro é fantástico! Apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1937, ele trata de um tema muito atual na nossa sociedade, que é a vida dos meninos de rua. Sua leitura é muito fácil, com apenas 262 páginas, e me envolveu de tal maneira que não consegui parar de lê-lo. Essa obra já foi pedida em vários vestibulares, mas ainda não o tinha lido!  

Jorge Amado descreve os personagens com carinho, abordando o ponto de vista deles e as características que os diferenciam entre si. A partir das diversas histórias do bando, ele apresenta uma crítica forte ao modo como a nossa sociedade está organizada e como trata essas pessoas que estão à sua margem. Aborda ainda a rigidez que está presente neste mundo: apesar de furtarem e viverem como homens, são apenas crianças. 

A história se passa na cidade de Salvador. Trata-se de um grupo de crianças que vivem em um trapiche abandonado, próximo ao porto, que é liderado por Pedro Bala. Eles vivem como uma família, um apoiando  o outro, e possuem também regras implícitas, nunca escritas, que são seguidas por todos. Para sobreviverem, pedem comida nos restaurantes e casas mais abastadas, realizam roubos aplicando golpes, furtam de pessoas que estão distraídas, dentre outras ações do estilo. No meio da trama há também um romance, entre Pedro Bala e Dora, que chega ao trapiche trazida João Grande e Professor. Com os dias, alguns dos garotos encontram em Dora a mãe que nunca tiveram ou o amor que nunca sentiram. 

Por ter sido alvo de tandos estudos e vestibulares, há vários sites que descrevem e fazem críticas à obra, como este da UOL Vestibular, e o da Companhia das Letras, que apenas descreve um pouco a obra. 

Alguns trechos interessantes: 

"Sentiam mesmo como homens. Quando outras crianças só se preocupavam com brinca, estudar livros para aprender a ler, eles se viam envolvidos em acontecimentos que só os homens sabiam resolver. Sempre tinham sido como homens, na sua vida de miséria e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente crianças. Porque o que faz a criança é o ambiente de casa, pai, mãe, nenhuma responsabilidade. Nunca eles tiveram pai e mãe na vida da rua. E tiveram sempre que cuidar de si mesmos, foram sempre os responsáveis por si." (pg. 236)

"O bedel cumprimenta e vai saindo com Pedro Bala. O diretor ainda recomenda. 
- Regime número 3. 
- Água e feijão... - murmura Ranulfo. Dá uma espiada em Pedro Bala, balança a cabeça - Vai sair bem mais magro. 
Lá fora é a liberdade e o sol. A cadeia, os presos na cadeia, a surra ensinaram a Pedro Bala que a liberdade é o bem maior do mundo." (pg. 197)

"Ela de longe sorria para Pedro Bala. Não havia nenhuma malícia no seu sorriso. Mas seu olhar era diferente do olhar de irmã que lançava aos outros. Era um doce olhar de noiva, de noiva ingênua e tímida. Talvez mesmo não soubessem que era amor. Apesar de não ser noite de lua, havia um romântico romance no casarão colonial. Ela sorria e baixava os olhos, por vezes piscava com um olho porque pensava que isto era namorar. E seu coração batia rápido quando o olhava. Não sabia que isso era amor." (pg. 187)

Esta edição: AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. (Companhia de Bolso)

Saturday, January 12, 2013

A CASA VERDE - Mario Vargas Llosa

"- E veja só para que me serviu a ambição - disse Fushía. - Para terminar mil vezes pior que você, que nunca teve ambições.              
-Deus não o ajudou, Fushía - disse Aquilino - Tudo o que acontece depende disso. 
- E por que não me ajudou e sim a outros? - disse Fushía. - Por que me arruinou e ajudou Reátegui, por exemplo?
- Pergunte quando morrer - disse Aquilino. - Como quer que eu saiba, Fushía."  (A Casa Verde, pg. 324)
Admito que estou com dificuldade em descrever este livro.  É uma obra muito peculiar... Já li outros livros do Vargas Llosa, e também de diversos outros autores, mas não me lembro de serem escritos de forma tão particular. A obra é apresentada em 404 páginas, divididas em quatro capítulos e o epílogo. Este é o segundo romance do autor, escrito em Paris, entre 1962 e 1965, e publicado originalmente em 1966. 

Basicamente, o autor conta a história de um prostíbulo que tinha suas paredes pintadas de verde e, por isso, acabou sendo chamada pelos moradores da cidade de 'Casa Verde'. Foi construída por Dom Anselmo, na pequena cidade de Piura (Peru), e causou grande alvoroço. A história gira em torno dos personagens que frenquentam/frequentaram o prostíbulo, bem como os/as profissionais que dele fazem/fizeram parte. O autor reúne, no decorrer da história, pequenas cidades do interior do Peru, floresta amazônica, tribos indígenas, contrabando de produtos produzidos pelos índios, corrupção, a dominação do branco sobre os indígenas, prostituição, pedofilia, dentre outros temas críticos até os dias atuais. 

O diferencial da narrativa é que o autor não apresenta os fatos em sua ordem cronológica, ou mesmo os apresenta em uma sequencia linear. Em um mesmo parágrafo o autor flutua entre o presente e o passado, deixando a cargo do leitor diferenciá-los. São vírgulas e pontos, ou um pronome, que nos evidencia o momento no tempo e quem está envolvido. O narrador também se envolve nessa mescla. Há trechos que são como o apresentado acima, em que se colocam os nomes dos personagens e não há nenhuma dificuldade em acompanhar o desenvolvimento. Porém há trechos em que o autor nem mesmo faz parágrafo: são páginas e páginas de diálogos, pensamentos, lembranças que contam apenas com a pontuação para se diferenciarem. Talvez algum dos livros de Saramago, que agora não me recordo o nome, se assemelhe a essa última característica.  

Apresento aqui a descrição colocada na capa do livro: "Com influências de William Faulkner e Gustave Flaubert, Varga Llosa cria um texto vibrante, em que a voz do narrador se mescla à fala dos personagens, e ações do passado e do presente se intercalam num fluxo inovador."

Acho que vale a pena ler. É bem curioso. As peças vão se juntando ao longo da história, e você  vai entendendo os porquês e quem é quem. Alguns trechos interessantes:

"- Não gosto dessas coisas, em Chicais quase fiquei doente - repetiu o Pequeno com uma careta de desagrado. - Não se lembram da velha peituda? Foi errado arrancar as crias assim. Sonhei com isso duas vezes. 
- E olhe que elas não arranharam você como fizeram comigo - disse o Louro, rindo; mas logo ficou sério e acrescentou: - Era para o bem delas Pequeno. Para ensinar a vestir-se, a ler e a falar cristão. 
- Ou prefere que elas continuem selvagens? - perguntou o Escuro." ( Trecho em que falavam sobre a catequese das índias crianças que eram levadas das tribos, pg. 121)

"É por isso que acho que as mágoas lá no fundo explicam tudo - disse o Jovem. É por isso que alguns viram bêbados, outros padres, outros assassinos." (pg. 236)

"No princípio tinha um pouquinho de medo, mas agora não, só ficava nervoso. O patrão teve medo alguma vez? Nunca, porque pobre que tem medo fica pobre a vida inteira. Mas não era bem assim, patrão, Nieves sempre foi pobre e a pobreza não obedecia ao medo. É que Nieves se conformava e o patrão, não." (pg. 285)

"E pergunta-se pela última vez se foi melhor ou pior, se a vida deve ser assim, e o que teria acontecido se ela não, se você e ela, se foi um sonho ou se as coisas são sempre diferentes dos sonhos, e faça um esforço final e pergunte-se se alguma vez você se resignou, e se é porque ela morreu ou porque é velho que você está tão conformado com a ideia de morrer." (pg. 349)

Sobre essa edição: Llosa, Mario Vargas. A casa verde. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. 407 p. 

Sunday, January 6, 2013

O ALIENISTA - Machado de Assis

"O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu: Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha idéia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da Terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente." (O Alienista, pg. 9)
É um livro muito interessante, de um autor brasileiro de grande importância. Muito me agradou a sua leitura! Este título já foi alvo de muitas provas vestibulares, porém não o havia lido até hoje. É um livro pequeno, apenas 34 páginas. Bom, cabe destacar que a versão que li obtive gratuitamente no site Domínio Público, onde estão disponibilizadas várias obras, de diferentes autores. Vale a pena conferir e baixar! Destaco que no site há diversas versões de uma mesma obra. Esta que li, em particular, aponta a UNAMA (Universidade da Amazônia) como entidade que disponibilizou. Não possui a capa que apresento acima, mas apenas o título do livro com a origem do arquivo (UNAMA). 

É uma obra muito agradável de ler, que apresenta um vocabulário, as vezes, rebuscado e que é escrita de forma peculiar, característica do autor e das obras da sua época. Por seu tamanho e enredo sua leitura é bem rápida. 

O texto nos conta a história do médico português Simão Bacamarte, que vive na cidade de Itaguaí e alí resolve estudar a loucura. Resolve que, para isso, deve-se construir um local onde todos os 'loucos' devem viver juntos: a Casa Verde. Ele a construiu com o apoio do governo, alegando a grande importância dos seus estudos para a ciência e a medicina. Com esse objetivo, confinou grande parte dos moradores da cidade na Casa Verde, e com o tempo suscitou a desconfiança e o desconforto da população que ainda restava fora de seus muros. Houve então uma revolução, chefiada por um barbeiro da cidade - Porfírio -, que além de derrubar a Casa Verde, queria obter poder político. Porém suas reais intenções vêm a tona quando conversa em particular com o alienista.

Após esse momento, que acabou não interferindo nas suas experiências, Simão Bacamarte chega a conclusão de que aqueles que estão na Casa Verde não são os verdadeiros loucos e, sim, aqueles que gozam de total equilíbrio mental. Ou seja, os que gozam de equilíbrio constante são os loucos! O médico então libera todos os que estavam abrigados na Casa Verde e busca novos moradores, com características distintas daquelas iniciais. 

Vale a pena ler! Trechos interessantes:

"Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos homens em quem supomos são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?" (pg. 18)

"Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia dar nascença ou curso à mais simples mentira do mundo, ainda daquelas que aproveitam ao inventor ou divulgador, que não fosse logo metido na Casa Verde. Tudo era loucura." (pg. 26)

"Um dia de manhã - dia em que a Câmara devia dar um grande baile, - a vila inteira ficou abalada com a notícia de que a própria esposa do alienista fora metida na Casa Verde. Ninguém acreditou; devia ser invenção de algum gaiato. E não era: era a verdade pura. D. Evarista fora recolhida às duas horas da noite. o Padre Lopes correu ao alienista e interrogou-o discretamente acerca do fato." (pg. 26)

"E cavando por aí abaixo, eis o resultado a que chegou: os cérebros bem organizados que ele acabava de curar, eram desequilibrados como os outros. Sim, dizia ele consigo, eu não posso ter a pretensão de haver-lhes incutido um sentimento ou uma faculdade nova; uma e outra coisa existiam no estado latente, mas existiam." (pg. 33)

O LIVRO DE AREIA - Jorge Luis Borges

"A qualquer momento terei completado setenta e tantos anos; continuo dando aulas de inglês para alguns poucos alunos. Por indecisão ou por negligência ou por outras razões, não me casei, e agora estou só. Não sofro pela solidão; já é bastante esforço alguém tolerar a si mesmo e a suas próprias manias. Noto que estou envelhecendo; um sintoma inequívoco é o fato de que não me interessam ou surpreendem as novidades, talvez porque observe que nada de essencialmente novo há nelas e que não passam de tímidas variações." (O livro de areia - o congresso, pg. 21-22).
Encontrei esse livro em uma banca de jornal, o qual veio acompanhado de um outro exemplar, porém de poesia. Este ainda não li. O preço dos dois foi muito bom, o que me fez aproveitar essa oportunidade! Ainda não conhecia o autor, não havia lido nenhuma de suas obras, e esse livro me instigou a ler outras, futuramente. 

Deixando de lado detalhes de ordem diversa, foi uma leitura muito agradável e rápida. Linguagem fácil de entender. O autor divide o livro em 13 contos - se assim posso chamá-los -  que tratam de temas variados. Muita criatividade é apresentada nos textos. São histórias fantásticas que, apesar de muitas vezes serem curtas (2 ou 3 páginas, como "o disco"), te envolvem e te deixam com gostinho de 'quero mais'. Em algumas das histórias senti aquele desejo de saber mais, aquela vontade de descobrir o que vem depois... Por isso não leia buscando muita lógica nas histórias. O entender o texto se trata de sentir as palavras e o que o autor está tentando passar para o leitor. Indico fortemente a sua leitura!

Você pode adquirir o produto no site da Livraria Folha. Não há muito o que falar, há de se ler o livro para poder sorver todas as impressões! Mas abaixo apresento algumas passagens que achei interessante: 

"Meu sonho já durou setenta anos. Afinal, ao recordar, não existe ninguém que não se encontre consigo mesmo. É o que nos está acontecendo agora, só que somos dois. Você não gostaria de saber algo do meu passado, que é o futuro que o espera?" (Conversa entre ele e ele mesmo, mais jovem. Conto: o outro, pg. 9)

"Tudo isto é um milagre - conseguiu dizer - e milagres dão medo. Os que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro devem ter ficado horrorizados." (Conversa entre ele e ele mesmo, mais jovem. Conto: o outro, pg. 14)

"A frase pretendia ser engenhosa e imaginei que não era a primeira vez que a pronunciava. Soube depois que não combinava com ela, mas o que dizemos nem sempre se parece conosco." (Ulrica, pg. 16)

"- Eu gostaria que este momento durasse para sempre - murmurei. 
- Sempre é uma palavra que não e permitida aos homens..." (Ulrica, pg. 18)

"Os anos não modificam nossa essência, se é que temos alguma; o impulso que me levaria, uma noite, ao Congresso do Mundo foi o que me trouxe, inicialmente, à redação da Última Hora." ( O congresso, pg. 23)

"Senti o que sentimos quando alguém morre: a angústia, já inútil, de que nada nos teria custado ter sido melhores." (there are more things, pg. 39)

"Era preciso que as coisas fossem inesquecíveis. Não bastava a morte de um ser humano pelo ferro ou pela cicuta para ferir a imaginação dos homens até o fim dos dias. O Senhor dispôs os fatos de modo patético." (A seita dos trinta, pg. 49)

"Também a mim a vida deu tudo. A todos a vida dá tudo, mas a maioria ignora isso. Minha voz está cansada e meus dedos fracos, mas escuta-me." (undr, pg. 67)

"Foi então que o desconhecido me disse:
- Olhe-a bem. Nunca mais a verá. 
Havia uma ameaça em sua afirmação, mas não na voz. 
Fixei-me no lugar e fechei o volume. Imediatamente o abri. Procurei em vão a figura da âncora, folha por folha." ( o livro de areia, pg. 96)

Sobre esta edição: BORGES, Jorge Luis. O livro de areia. São Paulo: MEDIAfashion, 2012. 104 p. Coleção Folha. Liberatura ibero-americana; v. 1)