"- E veja só para que me serviu a ambição - disse Fushía. - Para terminar mil vezes pior que você, que nunca teve ambições.
-Deus não o ajudou, Fushía - disse Aquilino - Tudo o que acontece depende disso.- E por que não me ajudou e sim a outros? - disse Fushía. - Por que me arruinou e ajudou Reátegui, por exemplo?- Pergunte quando morrer - disse Aquilino. - Como quer que eu saiba, Fushía." (A Casa Verde, pg. 324)
Admito que estou com dificuldade em descrever este livro. É uma obra muito peculiar... Já li outros livros do Vargas Llosa, e também de diversos outros autores, mas não me lembro de serem escritos de forma tão particular. A obra é apresentada em 404 páginas, divididas em quatro capítulos e o epílogo. Este é o segundo romance do autor, escrito em Paris, entre 1962 e 1965, e publicado originalmente em 1966.
Basicamente, o autor conta a história de um prostíbulo que tinha suas paredes pintadas de verde e, por isso, acabou sendo chamada pelos moradores da cidade de 'Casa Verde'. Foi construída por Dom Anselmo, na pequena cidade de Piura (Peru), e causou grande alvoroço. A história gira em torno dos personagens que frenquentam/frequentaram o prostíbulo, bem como os/as profissionais que dele fazem/fizeram parte. O autor reúne, no decorrer da história, pequenas cidades do interior do Peru, floresta amazônica, tribos indígenas, contrabando de produtos produzidos pelos índios, corrupção, a dominação do branco sobre os indígenas, prostituição, pedofilia, dentre outros temas críticos até os dias atuais.
O diferencial da narrativa é que o autor não apresenta os fatos em sua ordem cronológica, ou mesmo os apresenta em uma sequencia linear. Em um mesmo parágrafo o autor flutua entre o presente e o passado, deixando a cargo do leitor diferenciá-los. São vírgulas e pontos, ou um pronome, que nos evidencia o momento no tempo e quem está envolvido. O narrador também se envolve nessa mescla. Há trechos que são como o apresentado acima, em que se colocam os nomes dos personagens e não há nenhuma dificuldade em acompanhar o desenvolvimento. Porém há trechos em que o autor nem mesmo faz parágrafo: são páginas e páginas de diálogos, pensamentos, lembranças que contam apenas com a pontuação para se diferenciarem. Talvez algum dos livros de Saramago, que agora não me recordo o nome, se assemelhe a essa última característica.
Apresento aqui a descrição colocada na capa do livro: "Com influências de William Faulkner e Gustave Flaubert, Varga Llosa cria um texto vibrante, em que a voz do narrador se mescla à fala dos personagens, e ações do passado e do presente se intercalam num fluxo inovador."
Acho que vale a pena ler. É bem curioso. As peças vão se juntando ao longo da história, e você vai entendendo os porquês e quem é quem. Alguns trechos interessantes:
"- Não gosto dessas coisas, em Chicais quase fiquei doente - repetiu o Pequeno com uma careta de desagrado. - Não se lembram da velha peituda? Foi errado arrancar as crias assim. Sonhei com isso duas vezes.
- E olhe que elas não arranharam você como fizeram comigo - disse o Louro, rindo; mas logo ficou sério e acrescentou: - Era para o bem delas Pequeno. Para ensinar a vestir-se, a ler e a falar cristão.
- Ou prefere que elas continuem selvagens? - perguntou o Escuro." ( Trecho em que falavam sobre a catequese das índias crianças que eram levadas das tribos, pg. 121)
"É por isso que acho que as mágoas lá no fundo explicam tudo - disse o Jovem. É por isso que alguns viram bêbados, outros padres, outros assassinos." (pg. 236)
"No princípio tinha um pouquinho de medo, mas agora não, só ficava nervoso. O patrão teve medo alguma vez? Nunca, porque pobre que tem medo fica pobre a vida inteira. Mas não era bem assim, patrão, Nieves sempre foi pobre e a pobreza não obedecia ao medo. É que Nieves se conformava e o patrão, não." (pg. 285)
"E pergunta-se pela última vez se foi melhor ou pior, se a vida deve ser assim, e o que teria acontecido se ela não, se você e ela, se foi um sonho ou se as coisas são sempre diferentes dos sonhos, e faça um esforço final e pergunte-se se alguma vez você se resignou, e se é porque ela morreu ou porque é velho que você está tão conformado com a ideia de morrer." (pg. 349)
Sobre essa edição: Llosa, Mario Vargas. A casa verde. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. 407 p.
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