Pages

Tuesday, December 4, 2012

A SABEDORIA DA NATUREZA - Roberto Otsu

"Julgar é separar. No julgamento, as pessoas procuram ver a diferença que separa e não o ponto essencial em comum. Julgar é uma forma inconsciente de autovalorização em detrimento do outro. É querer se sentir superior ao outro, é uma forma de afirmar que se está acima das falhas alheias. Enquanto julgarmos e acreditarmos nas aparências, não teremos condições de entender o que acontece." (A sabedoria da natureza, pg. 221)
 O texto é de fácil leitura, com linguajar claro e simples. Trata das ideias do taoismo e a sua aplicação em nossa vida cotidiana. O autor apresenta diferentes exemplos contemporâneos para cada um dos ensinamentos que apresenta. Como descrito na capa do livro: "Para o Taoismo e para várias filosofias de outras civilizações, ser sábio é seguir as leis da Natureza, pois o ser humano é fruto dela. Ao contemplar a Natureza com reverência e entrar em sintonia com ela, podemos atingir o equilíbrio físico, mental e espiritual." 

O autor divide o livro em 5 capítulos principais que tratam de elementos da natureza e, a partir deles, abre os ensinamentos que cada um pode trazer para nós, descritos em subtítulos. No início achei o texto um tanto repetitivo, mas depois me acostumei com seu estilo e tentei me abrir para o que me estava sendo apresentado. Se lermos com atenção, acredito que podemos tirar vários ensinamentos interessantes e colocá-los em prática no nosso dia a dia. Mas cada um tem que ler e tirar suas próprias conclusões sobre as ideias apresentadas!

Gostei, em especial, de várias partes do livro mas tive que selecionar algumas e, como de costume, separei  aqueles trechos que achei mais interessantes:

"O que ocorre é que nós, seres humanos, somos apegados às pessoas, às coisas e às situações. É comum querer que as coisas sejam permanentes. Muitas vezes, preferimos a ilusão do duradouro à realidade da mutação e impermanência. Queremos que a vida seja do jeito que idealizamos e não do jeito que ela é. Lidar com a impermanência é um exercício de aceitação da realidade." (pg. 28)

"Quem é feliz não faz comparações, não se mete na vida alheia, não compete, sabe o que é suficiência e não se deixa escravizar pelos desejos, pela cobiça." (pg. 76)

"Não é possível mudar a realidade eterna a nosso bel-prazer. (...) Na vida, as mudanças possíveis são de âmbito interno e não externo. Podemos mudar nossa forma de encarar as coisas, nossas posturas, nossos objetivos e valores, mas não podemos mudar as outras pessoas porque assim o desejamos." (pg. 110)

"Nosso desenvolvimento acontece em acúmulos constantes de informações, de experiências e de conclusões. Mas uma nova camada só pode ser acrescentada se a anterior já tiver sido formada. Só se constrói em cima de algo já existente, já consolidado." (pg. 133)

"O que quer que nos aconteça será parte de nossa história pessoal, mas não é a nossa história. Os acontecimentos de hoje serão apenas uma lembrança daqui a dois ou três anos. Vai ser apenas uma parte de um todo que é a nossa vida. Toda dificuldade é apenas um momento da vida, não é a vida em si." (pg. 143)

Sobre esta edição: OTSU, Roberto. A sabedoria da natureza. São Paulo: Ágora, 2006. 
(Este livro foi comprado pelo site Estante Virtual

Sunday, November 25, 2012

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA FILOSOFIA - Luiz Felipe Pondé

"Nada pior do que essas pessoas que não sabem nada, mas não sabem que não sabem nada, e levam  suas vidas banais (toda vida é banal, mas a classe média com sua infinita baixa autoestima não sobrevive a esse fato) como se tivessem algum grande valor que não foi descoberto pelos outros." (Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, pg. 184). 
"Uma mentira moral é sempre uma hipocrisia." (pg. 18)

Eu estava em uma papelaria, esperando para ser atendida, quando vi esse título na prateleira. Tive curiosidade de conhecê-lo e acabei lendo algumas de suas páginas. Enquanto eu lia, e ria de alguns trechos, fui intercedida por outro cliente da papelaria que disse já ter lido e gostado bastante do livro. Fiquei encucada e tive mais vontade de lê-lo! 

A leitura é muito tranquila e o finalizei em apenas dois dias. São 230 páginas numeradas mas entre os capítulos há sempre 3 ou 4 páginas pretas ou ilustradas que não possuem texto. Então a leitura é bem rápida mesmo! 

A proposta do livro é apresentar uma crítica aos politicamente corretos e suas idéias, que muitas vezes nos emburrecem. A obra é dividida em vários capítulos, com curtos ensaios, que tratam de diferentes temas. São tópicos diversos, que fazem parte do nosso cotidiano, como sexualidade, aristocracia e ditadura. Todos são abordados visando a crítica à visão dos 'politicamente corretos'.  

É interessante de se ler. As críticas, muitas pesadas, nos apresentam as coisas sob pontos de vista diferentes. Recomendo a leitura! 

Trechos interessantes:

"Tenho medo do mundo, por isso, com a idade (hoje tenho 52 anos), tenho me tornado um homem sem muita curiosidade pelos outros, porque no fundo as pessoas são bem monótonas." (pg. 19)

"A praga PC (politicamente correto) é uma mistura de covardia, informação falsa e preocupação com a imagem. Combina com uma época frouxa como a nossa." (pg. 27) (o texto grifado foi acrescentado)

"Os melhores lideram, os médios e medíocres seguem." (pg. 38)

"Isso mesmo: força e coragem fazem as pessoas verdadeiras nas suas relações, enquanto a ausência de virtudes como essas as faz mentirosas e traiçoeiras." (pg. 42)

"... o homem da democracia, quando quer saber algo, pergunta para a pessoa do seu lado, e o que a maioria disser, ele assume como verdade. Daí que, no lugar do conhecimento, a democracia criou a opinião pública." (pg. 51)

"... quanto mais um homem ama (investe afetivamente em) uma mulher, mais ele fica inseguro e ciumento. Se seu namorado estimula você a viajar sozinha, ele provavelmente a está rifando." (pg. 85)

"A maior inimiga da beleza da mulher é a outra mulher, a feia. A condenação do uso da beleza feminina por parte das  mulheres é uma ferramenta das que não têm, por azar (a beleza ainda é um recurso contingente), acesso à beleza, seja porque são feias, seja porque (no caso dos homens), em sendo feio (ou fraco), ele não pode 'pegar' a beleza da mulher nas mãos, beijá-la ou penetrá-la." (pg. 92)

Sobre esta edição: PONDÉ, Luiz Felipe. Ensaio politicamente incorreto da filosofia, Ensaio de Ironia. São Paulo: Leya, 2012. 


Sunday, July 29, 2012

EL BOSQUE DE LOS PIGMEOS - Isabel Allende

"La reina estaba iluminada por un intenso resplandor interno. Los jóvenes la vieron tal como era y no en la forma en que había aparecido al principio, como una vieja miserable, puros huesos y harapos. En verdad, era una presencia formidable, una amazoa, una antigua diosa del bosque. Nana-Asante se había vuelto sabia durante esos años de meditación y soledad entre los muertos; había limpiado su corazón de odio y codicia, nada deseaba, nada la inquietaba, nada temía. Era valiente porque no se aferraba a la vida; era fuerte porque la animaba la compasión; era justa porque intuía la verdad; era invencible porque la sostenía un ejército de espíritus." (El Bosque de los Pigmeos)


Este é o terceiro livro que encerra a trilogia 'Las memorias del Águila y el Jaguar', elaborada por Allende, contando mais uma aventura vivida por Nadia, Alexander e Kate, juntamente com sua equipe de trabalho do National Geographic. Assim como o último livro (El Reino del Dragón de Oro) não gostei muito da história. Não me senti presa a lê-la. 

O livro trata da aventura desses personagens na África equatorial, mais especificamente, no Quênia, que vão à capital do país na intenção de escrever sobre uma reserva natural. Para chegar até a reserva, utilizaram o avião de Angie, mais uma personagem importante na trama. Fizeram suas excursões e passeios na reserva, ao lombo de um elefante. 

No decorrer da visita, encontraram o missioneiro Fernando, o qual os convenceu a irem procurar, com ele, seus companheiros missioneiros. Fernando não tinha notícia de seus colegas desde muito tempo, mas tinha indícios de onde poderiam estar. Kate, além de querer ajudar a ele, entendeu que também seria uma oportunidade de fazer uma boa reportagem. 

Durante a viagem, tiveram um problema com o avião e acabaram fazendo um pouso emergencial no meio da mata. Próximo do local buscado pelo irmão Fernando, acabaram encontrando pessoas que passavam no rio ao lado de onde o avião havia pousado. Após algumas negociações, essas pessoas concordaram em levá-los próximos à aldeia procurada. Já no caminho em terra firme, encontraram os pigmeos, que também desempenho papel importante. Estes os levaram até a aldeia almejada, que era dominada por  rei Kosongo, que com o comandante Mbembelé e o bruxo Sombe . A partir daí a história se desenrola de forma a libertar a aldeia e encontrar os missioneiros perdidos. 

Neste livro Allende deixa evidente a relação de amor existente entre Alexander e Nadia, que atingem a adolescência e começam a descobrir sentimentos diferentes da amizade. Mais sobre o livro pode ser lido em   espanhol aqui e em português aqui.

Algumas partes do livro:

"Tanto la población de Ngoubé como los pigmeos vivían en una realidad mágica, rodeados de espíritus, siempre temerosos de violar un tabú o cometer una ofensa que pudiera desencadenar fuerzas ocultas. Creían que las enfermedades son causadas por hechicería y por lo tanto se curan de la misma manera, que no se puede salir de caza o de viaje sin una ceremonia para aplacar a los dioses, que la noche está poblada de demonios y el día de fantasmas, que los muertos se convierten en seres carnívoros." (p. 207 - 208).

"Ellas también tendrían que luchar. Durante años habían soportado la esclavitud creyendo que si obedecían sus familias podrían sobrevivir; pero la mansedumbre de poco les había servido, sus condiciones de vida eran cada vez más duras. Cuanto más aguantaban, peor era el abuso que padecían." (p. 192, sobre as escravas pigmeias). 

"Los amigos se enteraron de que los espíritus rara vez intervienen en los acontecimientos del mundo material, aunque a veces ayudan a los animales mediante la intuición, y a las personas mediante la imaginación, los sueños, la creatividad y la revelación mística o espiritual. La mayor parte de la gente vive desconectada de lo divino y los minúsculos milagros cotidianos con los cuales se manifiesta lo sobrenatural. Se dieron cuenta de que los espíritus no provocan enfermedades, desgracias o muerte, como habían oído; el sufrimiento es causado por la maldad y la ignorancia de los vivos. Tampoco destruyen a quienes violan sus dominios o los ofenden, porque no poseen dominios y no hay modo de ofenderles. Los sacrificios, regalos y oraciones no les llegan; su única utilidad es tranquilizar a las personas que hacen las ofrendas." (p. 157)

Sobre esta edição: ALLENDE, Isabel. El bosque de los pigmeos. Buenos Aires: Sudamericana: 2004. 224 p.

Friday, May 4, 2012

O PALÁCIO DE INVERNO - John Boyne


                                   "Faz mais de sessenta anos que vi pela última vez algum parente de sangue. É quase impossível acreditar que cheguei a esta idade, oitenta e dois anos, e que passei com meus familiares uma parcela tão pequena do tempo que me foi concedido. Fui relapso em minhas obrigações para com eles, embora na época eu não enxergasse dessa maneira. Pois querer mudar meu destino seria como querer mudar a cor de meus olhos. As circunstâncias me levaram de uma coisa a outra, e depois a outra, e mais outra, como acontece com todos os homens, e dei um passo após o outro sem questionar. E então um dia eu parei. E estava velho. E eles tinham partido." (pg. 10, O Palácio de Inverno, John Boyne)

Até então não havia lido nenhum livro desse autor. E me surpreendi. A começar por esse trecho assinalado acima, que me deixou bastante inquieta: a efemeridade da vida. Começar o livro com uma afirmativa desse teor, já mostra sinais do conteúdo da história que seria lida. Nas primeiras páginas, pensei que não ia gostar muito... O achei um tanto depressivo. Mas acabei me envolvendo no estilo peculiar do autor e gostei do que li. O autor vai e volta na vida de Geórgui, trazendo ao leitor a infância e a vida adulta do personagem intercaladas nos capítulos.  

A vida de Zoia e Geórguie é contada pela perspectiva deste último, perpassando a Rússia do Czar Nicolau II e a Inglaterra do pós-guerra. A história gira, basicamente, em torno desses dois períodos. Ao salvar a vida do primo do czar, Geórguie é convidado a se mudar para o Palácio de Inverno, onde irá trabalhar como guarda-costas do filho do czar, Alexei. Ele se muda para Moscou e 'se esquece' de sua família de sangue, buscando uma vida melhor do que a que tinha na pequena vila de Cáchin. Desde sua chegada, ele se sente atraído por Anastácia, uma das filhas do czar. Toda a história está baseada nessa mudança de vida que desencadeia vários acontecimentos. Não posso adiantar muita coisa, pois acabaria por contar pontos reveladores da trama! Já na idade mais avançada de sua vida, Geórgui passa por uma experiência dolorosa, que é perder o grande amor de sua vida - Zoia - para o câncer.      

Sinceramente, não recomendo para pessoas que estejam um tanto... desanimadas ou depressivas! Como apontado abaixo nos trechos elencados, são várias passagens que relatam fatos da vida cotidiana mas que são, de certa forma, dramáticos e até desanimadores. Portanto leiam com alegria no coração!  

Mais informações sobre o livro no site da Companhia das Letras

Trechos interessantes: 

"Há momentos em que invejo a sua juventude, mas tento não me deter nisso. Um velho não deve se ressentir com os que vieram lhe tomar o lugar, e lembrar quando eu era moço, másculo e saudável é um ato de masoquismo que não leva a nada. Ocorre-me que, embora Zoia e eu ainda estejamos vivos, minha vida já acabou. Zoia me vai ser tirada em breve, e não haverá nenhuma razão para eu continuar sem ela. Somos uma pessoa só, vocês entendem. Somos GeórguieZoia." (pg. 23, Geórguie pensando em seu neto, Michael, filho de Arina)

"- Oh, não é o que você está pensando - respondeu abanando a cabeça - Não desta vez, juro. Só estou dizendo que, quando chegar a hora, e vai ser logo, não vou lamentar. Quando basta, basta, entende, Geórgui? Você nunca sente isso? Veja essa vida que vivi, e que vivemos juntos. Pense nisso. Como conseguimos sobreviver todo esse tempo? - Ela abanou a cabeça e soltou um longo suspiro, como se a resposta fosse muito simples e evidente - Quero que acabe, Geórgui. Só isso. Quero apenas que acabe." ( pg. 121, Zoia conversando com Geórgui sobre a vida)

"Irritabilidade. Petulância. Ansiedade. Desejo subconsciente de notar algo de errado em qualquer expressão que ela usasse. Necessidade de criticá-la, de fazê-la se sentir mal consigo mesma. Eu notava isso a cada vez que falávamos. E odiava o fato. Não era assim que devíamos ser. Devíamos nos amar, tratar um ao outro com respeito e gentileza. Afinal, nunca fomos Geórgui e Zoia. Éramos GeórguieZoia." (pg. 165, Geórgui pensando sobre a atual situação do relacionamento com Zoia)

"O táxi faz uma curva fechada à esquerda, depois à direita, e antes que eu me dê conta passamos pelo Museu Britânico. Olho os dois leões ao lado das portas e revejo minha hesitação ali, antes de entrar e conhecer o Sr. Trevors na manhã em que me entrevistou, a mesma manhã em que Zoia começou a trabalhar como costureira em Newsom. Faz tanto tempo, eu era tão jovem, a vida tão difícil, mas eu daria tudo para voltar àquele momento e entender a sorte que tive. Ter minha juventude e minha esposa, nosso amor e nossa vida diante de nós." (pg. 443, Geórgui, no momento em que Zoia falece e ele vai ao hospital)

Dados dessa edição:

BOYNE, JOHN. O palácio de inverno. Companhia das Letras: São Paulo, 2009.

Monday, March 5, 2012

O ENGENHOSO FIDALGO DOM QUIXOTE DA MANCHA - Miguel de Cervantes

"Eu cá não o digo nem penso - respondeu Sancho. - Eles lá que saibam as linhas com que se cosem, pouco se me dá: se foram amancebados ou não, a Deus terão prestado contas. Eu sigo o meu caminho, não sei de nada, não sou amigo de me meter na vida alheia, pois quem mexe em vespeiro, picado sairá. Tanto mais que nu nasci, nu estou: não perco nem ganho. Mas, se o eram, que me importa a mim? E nem tudo o que reluz é ouro. Mas quem pode pôr travas ao vento? Tanto mais que até de Deus murmuravam." (Sancho em conversa com Dom Quixote, p. 319 - 320)
Admito que a leitura foi um tanto enfadonha. Me propus a ler esse livro por ser um clássico literário. Mas, talvez pela própria época em que foi escrito, não me apeteceu muito. Foi demorado de lê-lo, e não me encontrava com muito ânimo de continuar lendo por muito tempo. Mas terminei. No final consegui 'relaxar' um pouco e rir das 'travessuras' e loucuras de Dom Quixote. Quem sabe o próximo volume se mostre mais interessante?

Enfim, o livro conta desde o início a história de Dom Quixote e Sancho Pança, com suas aventuras e desventuras pelas terras espanholas. Uma escrita, de certa forma, rebuscada. Mas vale a leitura para aqueles que apreciam livros dessa época - 1605, quando foi lançado o primeiro volume. O livro também pode ser caracterizado como uma sátira a literatura de cavalaria da época. Acompanhado por Rocinante, o Cavaleiro da Triste Figura - como também é chamado Dom Quixote - e Sancho Pança se envolvem em disparatados episódios que lhes custam  vários apuros. 

Apesar da minha simples e humilde opinião sobre o livro, em 2002 o mesmo foi considerado o melhor livro do mundo (mais detalhes aqui)! A edição que li é muito interessante, pois conta com várias referências de pé de página que explicam detalhes que passariam desapercebidos. Além disso, contém uma breve biografia de Cervantes.

Trechos interessantes da obra:

"Em suma, ele engolfou-se tanto em sua leitura, que lendo passava as noites em claro, e os dias em turvo; e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que veio a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros, tanto de encantamentos como de pelejas, batalhas, duelos, ferimentos, galanteios, amores, desgraças e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação que era verdade toda aquela máquina daquelas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo." (o narrador da história contando sobre Dom Quixote e o início de sua 'loucura', p. 54). 

"Eu sei, com a natural razão que Deus me deu, que tudo o que é formoso é amável; mas não consigo compreender que, em razão de ser amado, esteja obrigado o que e amado por formoso a amar a quem o ama. Mais ainda, poderia acontecer que o amador do formoso fosse feio, e, sendo o que é feio digno de ser aborrecido, mui mal seria o dizer "Amo-te por formosa: tens de amar-me ainda que seja feio". Mas, o caso de serem parelhas as formosuras, nem por isso hão de ser parelhos os desejos, porque nem todas as formosuras enamoram: algumas alegram a vista e não rendem a vontade; se todas as belezas enamorassem e rendessem, seria um andarem as vontades confusas e desorientadas, sem saber em qual haviam de parar, porque, sendo infinitos os sujeitos formosos, infinitos haviam de ser os desejos". (Discurso de Marcela sobre o suicídio de Grisóstomo, p. 179)

"Apesar disso, faço-te saber, irmão Pança - replicou D. Quixote -, que não há memória que o tempo não apague, nem dor que morte não elimine". (Dom Quixote em conversa com Sancho Pança, p. 193)

"Fica sabendo, Sancho, que nenhum homem é mais que outro, se não faz mais que outro. Todas estas tempestades que nos sucedem são sinais de que logo há de vir a bonança e hão de sair-nos bem as coisas, porque não é possível que o mal nem o bem sejam duradouros, e daí se segue que, havendo durado muito o mal, o bem já está perto. Assim, não deves afligir-te pelas desgraças que a mim me sucedem, pois a ti não te cabe parte nelas". (Dom Quixote em conversa com Sancho Pança, p. 230)

"Essa é a natural condição de mulheres - disse D. Quixote -, desdenhar quem as ama e amar quem as aborrece. Prossiga, Sancho. " (p. 250)

Dados dessa edição: 
CERVANTES, M. O engenhoso fidalgo D. Quixote da Mancha, vol. 1. São Paulo: Abril, 2010. 

Monday, January 16, 2012

A ILHA SOB O MAR - Isabel Allende

"Para lhe evitar preocupações e desgostos, aproveito suas ausências para me divertir à minha maneira - essa é a vantagem de ter um marido muito ocupado. Não gosta que eu ande descalça pela rua, porque já não sou escrava, que eu acompanhe Père Antoine e socorra pecadores no Pântano, porque é perigoso, nem que vá às bambousses da Praça do Congo, que são muito vagabundas. Nada disso eu conto a ele, e ele não me pergunta" (A Ilha Sob o Mar, Isabel Allende, pg. 476 - Zarité falando de seu marido, Zacharie) 
Isabel Allende conta a história de Zarité, uma escrava em Saint Domingue - hoje Haiti -, quando a colônia pertencia à França. A história se passa entre 1770 e 1810. Narrativa rica de detalhes, nos faz imaginar todos os fatos e personagens envolvidos. A autora divide a obra em dois blocos de tempo  e local distintos: o primeiro trata do período entre 1770 e 1793, em Saint Domingue e Cuba, enquanto o segundo retrata o período entre 1793 e 1810, na Louisiana. 

Além disso, a autora divide a narrativa em dois pontos de vista. Alguns capítulos são vistos como contados pela autora, ou seja, um narrador externo que conta a história; enquanto outros capítulos são contados pela própria Zarité, enfatizando seu ponto de vista e seus sentimentos sobre os fatos e as pessoas. Os capítulos se completam, e tornam a história mais clara. 

Zarité é filha de uma falecida escrava e, sob a posse de uma senhora, aos 9 anos é comprada para servir em uma fazenda à senhora Eugenia, esposa espanhola de um rico fazendeiro francês - Valmorain. Este chegou à ilha ainda com 18 anos, sem esperar que passaria toda sua vida dedicada às plantações de cana de açúcar e que delas tiraria o sua riqueza. Eugênia, após sucessivos abortos, deu a luz a Maurice, mas ela já sucumbia à depressão e outros transtornos, que a impossibilitou de cuidar do filho. Maurice foi criado como um filho por Zarité, que teve seu filho de sangue afastado de si pois era filho bastardo de Valmorain. Após alguns anos Zarité engravida novamente, dessa vez de uma menina, Rosette, que é criada junto com Maurice. Desde criança o amor entre eles floresceu, e durou até que a morte os separou. Com a guerra civil em Saint Domingue, Valmorain, Zarité e as duas crianças fogem para Cuba e, anos mais tarde, vão para Lousiana, recomeçar o cultivo da cana de açúcar. Nesse local, a vida recomeça para todos os personagens. 

É um livro, a meu ver, muito bom e vale a pena conferir. É uma leitura fácil e rápida, mas é um drama. Os sentimentos afloram em algumas passagens! É muito evidente o preconceito e o racismo que imperavam naquela época e que ainda deixam vestígios na sociedade moderna. Uma vez que o romance é mesclado de fatos históricos do país, entende-se um pouco mais sobre as origens do Haiti e o porque dos problemas sociais encontrados ainda hoje. Um blog interessante que tece uma discussão sobre esse aspecto histórico é O Grito!, vale a pena conferir. 

Além dos aspectos históricos, a narrativa resgata também costumes dos povos africanos, apresentando diferentes aspectos dessa cultura tão diferente, naquela época, da européia predominante. As diferenças culturais e de crença são pontos críticos explorados durante todo o texto. 

Abaixo os trechos que selecionei da narrativa:

"- Na Inglaterra e nos Estados Unidos também há quem questione seriamente a escravidão e se recuse a consumir os produtos das ilhas, em especial o açúcar - lembrou Parmentier.
- São em número insignificante, doutor. Acabo de ler, numa revista científica, que os negros pertencem a uma espécie diferente da nossa. 
- E como o autor explica que duas espécies diferentes tenham filhos? - perguntou o médico."
Diálogo entre Valmorain e Parmentier (médico da família). Pág. 92. 

"- Todos querem ser livres. 
- As mulheres nunca são livres, Tété. Precisam de um homem que cuide delas. Quando são solteiras, pertencem ao pai. Quando se casam, pertencem ao marido." Diálogo entre Valmorain e Zarité, sobre a liberdade dada por seu dono. Pág. 215.

"As duas compartilhavam a intimidade que costuma unir no exílio pessoas que jamais teriam trocado um único olhar se vivessem em seu lugar de origem." Sobre Violette e Adèle, em Cuba. Pág. 325.

"- ... Eu não sirvo para isso, senhor!
- Como você sabe? Todos nós temos uma reserva de forças inimaginável que emerge quando a vida nos põe à prova." Diálogo entre Maurice e seu professor Cobb, em Boston. Pág. 336. 

Dados dessa edição: 
ALLENDE, Isabel. A Ilha Sob o Mar. Bertrand Brasil, 2010.