" Do mesmo modo, o vulgo admira sobretudo as coisas em que prevalece a matéria e crê que sejam quase as únicas coisas existentes. As pessoas piedosas, pelo contrário, quanto mais uma coisa diz respeito ao corpo, tato mais a desdenham e se entregam completamente à contemplação do invisível. Uns colocam em primeiro lugar as riquezas, em segundo lugaras comodidades relativas ao corpo e em último lugar a alma, que, afinal, a maioria sequer acredita existir, pois o olho não pode vê-la. Os outros, ao contrário, tendem em primeiro lugar, de todo o coração, para DEus, o mais simples dos seres; em segundo lugar, a algo que ainda permanece em sua proximidade, ou seja, a alma, que mais do que tudo está próxima de Deus; desdenham o cuidado do corpo, desprezam as riquezas e delas fogem como algo imundo." (Elogio da Loucura, pg. 116)
A partir do trecho acima transcrito é possível perceber o tom do livro. Bastante interessante, é uma obra escrita em 1509, quando o autor estava com 44 anos (ele nasceu em 1465). O narrador do ensaio é a Loucura, que busca explicitar, por meio de fatos e exemplos, seu importante papel na vida humana. É um texto muito atual, com exemplos que se aplicam facilmente aos nossos dias.
Rotterdam cita muitos personagens relacionados à mitologia e por isso fiquei um pouco perdida (não tenho muito conhecimento sobre eles!). Acredito que se soubesse um pouco mais, eu poderia ter um entendimento mais completo sobre a obra. Mas isso acontece apenas no início. Depois o autor começa a citar como exemplos os religiosos, os teólogos, filósofos, os magistrados, dentre outros, fazendo um contraponto com o papel da Loucura em suas vidas. E o fato de ela tornar a vida mais leve e mais fácil de ser vivida.
Sobre a igreja e os religiosos a crítica é ampla e forte, o que, de acordo com o texto na contracapa do livro, fez com que se tornasse "um grande influenciador da Reforma Protestante". Ademais, um primo comentou que o leu a pedido da faculdade de direito. Interessante saber. O autor faz menção à oratória, e o discurso da Loucura em toda a obra está ligado a ela.
Eu comprei o livro, mas descobri que poderia tê-lo lido de graça. Você pode baixar a obra em .pdf diretamente no site
Ebooks Brasil ou no site
Domínio Público. São poucas páginas, apenas 121. Lê-se rapidamente!
Trechos interessantes:
"Seja loucura quanto quiserem; terão de reconhecer a sua coerência. (...) Eu, porém, sigo aquele velho ditado popular segundo o qual quem não tem quem o louve, louve-se a si mesmo." (pg. 14 e 15)
"E que é esta vida, se lhe tirarmos o prazer? Pode ainda chamar-se vida?" (pg. 21)
"É por mérito meu que os jovens são tão carentes de juízo; por isso estão sempre de bom humor. Eu mentiria, porém, se não admitisse que, tão logo crescem um pouco e começam a adquirir certa maturidade com a experiência e a educação, a beleza logo murcha, diminui a alegria, esmorece a graça, decresce o vigor. Quanto mais se distanciam de mim, menos vivem, até chegar aos que voltaram à infância, ou seja, a importuna velhice, odiosa não só aos outros, mas também a si mesma." (pg. 22)
"Age contra o bom-senso quem não sabe adaptar-se ao presente, quem não adota os usos correntes e se esquece até da regra de convívio - ou bebes ou vais embora - e gostaria que uma comédia não fosse mais uma comédia." (pg. 41)
"Voltando ao assunto: a Fortuna ama os imprudentes, os audaciosos, os que adotam o lema: 'o dado foi lançado'. A sabedoria, ao contrário, torna tímidas as pessoas; por isso normalmente vedes esses sábios empenhados em lutar contra a pobreza, a fome, a fumaça; esquecidos, sem prestígio, sem simpatias, ao passo que os loucos, repletos de dinheiro, obtêm os altos cargos do estado e, para resumir, prosperam em todos os sentidos." (pg. 100)
"Quem não sabe que quanto mais disseminado um bem, mais valioso é?" (pg. 102)
Esta edição: ROTTERDAM, Erasmo. Elogio da Loucura. 3a ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. (Coleção A obra-prima de cada autor; 37).