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Tuesday, October 29, 2013

1808 - Laurentino Gomes

"Com os planos de expansão territorial fracassados, restou a D. João se concentrar na primeira - e mais ambiciosa - de suas tarefas: mudar o Brasil para reconstruir nos trópicos o sonhado império americano de Portugal. Nesse caso, as novidades começaram a aparecer num ritmo alucinante e teriam grande impacto no futuro do país. Na escala em Salvador, a decisão mais importante havia sido a abertura dos portos. Na chegada ao Rio de Janeiro, foi a concessão de liberdade de comércio e indústria manufatureira no Brasil. A medida, anunciada no dia 1o. de abril, revogava um alvará de 1785, que proibia a fabricação de qualquer produto na colônia. Combinada com a abertura dos portos, representava na prática o fim do sistema colonial. o Brasil libertava-se de três séculos de monopólio português e se integrava ao sistema internacional de produção e comércio como uma nação autônoma." (1808, pg. 193)
O livro é interessantíssimo! Sempre gostei muito de história, de maneira geral, mas desde a época do vestibular não me envolvia com leituras específicas. É impressionante como a nossa história (do Brasil) se repete ao longo dos séculos! Desde a chegada da corte ao país (e mesmo antes disso!) ocorre uma sequência similar: desde sempre há corruptos na administração pública que se enriqueceram e, ao invés de serem punidos, foram condecorados! Confirma esse trecho: "De origem italiana, Targini era de família catarinense pobre e humilde. Entrou no serviço público como guarda-livros, um trabalho menor na burocracia do governo da colônia. Como era inteligente e disciplinado, virou escrevente do erário e logo chegou ao mais alto cargo nessa repartição. Com a chegada da realeza ao Brasil, passou a acumular poder e honrarias. Encarregado de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos da corte, enriqueceu rapidamente. (...) Em meio à revolução constitucionalista de março de 1821, foi preso e teve seus bens confiscados. Duas semanas mais tarde, estava solto. Também foi proibido de retornar a Portugal com D. João VI, mas continuou a levar uma vida tranquila e confortável no Brasil" (pg. 174). E este é apenas um dos vários exemplos que são apresentados ao longo do livro. 

Me ative ao exemplo da corrupção pois acho que é o tema que está mais evidente na sociedade brasileira atual. E é uma discussão que vale a pena ser feita por todos nós. Apesar disso, são várias as passagens interessantes. O autor tece discussões sobre o povo brasileiro, a cultura européia no Brasil, as críticas feitas pelos estrangeiros ao país, o perfil de D. João e Carlota Joaquina (bem como de outros membros da família real), a constante participação da Inglaterra... enfim, vários acontecimentos que ocorreram no país e na Europa entre a chegada de D. João ao Brasil e sua volta para Portugal. 

A leitura é super tranquila, a escrita é bem fluida, e vale a pena ler para conhecer e entender melhor o nosso Brasil de hoje. São 310 páginas, e ao final há muitas Notas e a Bibliografia, o que faz parecer que o texto para leitura é maior. O próximo a ler da sequência é o 1822! Já tenho ele, mas vou dar um intervalo de um livro entre eles. Acho proveitoso dar um espaçamento entre livros da mesma série. 

Alguns outros trechos interessantes: 

"Sérgio Buarque de Holanda, autor do clássico Raízes do Brasil, mostrou que no Brasil colônia se tinha aversão ao trabalho. Segundo ele, o objetivo da aventura extrativista era explorar rapidamente toda a riqueza disponível com o menor esforço e sem nenhum compromisso com o futuro: 'O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho'" (pg. 58)

"James Tuckey deixou um registro curioso sobre as mulheres cariocas: 'Seus olhos, levemente puxados, negros, grandes, plenos e brilhantes dão um certo grau de vivacidade à sua tez morena e conferem alguma expressão à sua fisionomia. Trata-se, na maior parte das vezes, da manifestação de uma vivacidade animal, temperada com o toque leve e singelo da sensibilidade.' Tuckey, porém, fazia uma ressalva: 'As mulheres brasileiras têm, entre outros, o péssimo hábito de escarrar em público, não importando a hora, situação ou lugar. Tal hábito (...) forma um poderoso obstáculo ao império do charme feminino.'" (pg. 144/145 - achei muito divertida essa passagem sobre as mulheres da época!)

"Mais difícil do que diagnosticar a causa das doenças era combatê-la. Como em toda a colônia, não havia no Rio de Janeiro médicos formados em universidades. Uma forma rudimentar de Medicina era praticada pelos barbeiros. Thomas O'Neill, tenente da Marinha britânica que acompanhou D. João ao Brasil, ficou intrigado com o número de barbearias e os fins aos quais se destinavam: 'As barbearias são aqui bastante singulares. O símbolo dessas lojas é uma bacia, e o profissional que aí trabalha acumula três profissões: dentista, cirurgião e barbeiro.'" (pg. 150)

"A nova nobreza criada por D. João no Brasil tinha dinheiro, títulos e poder, mas nenhum traço de bom gosto ou sofisticação. Todos os cronistas e viajantes da época se referem ao Rio de Janeiro como uma cidade rica e próspera, sem refinamento. 'Percebe-se a exibição da quantidade, talvez uma forma de auto afirmação da nova elite', ponderou o historiador Jurandir Malerba. Ao chegar ao Brasil, em 1817, como ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, o conde de Palmela achou tudo muito estranho. 'Falta gente branca, luxo, boas estradas, enfim faltam muitas coisas que o tempo dará', escreveu à mulher, que ficara em Portugal. 'Apesar de todas as despesas, não há sinais de esplendor ou elegância', observou James Henderson, o cônsul inglês, referindo-se ao caráter perdulário da corte." (pg. 179)

Esta edição: Gomes, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 

Monday, October 28, 2013

A FELICIDADE, DESESPERADAMENTE - André Comte-Sponville

"(...) Ora, se só desejamos o que não temos, nunca temos o que desejamos, logo nunca somos felizes. Não que o desejo nunca seja satisfeito, a vida não é tão difícil assim. Mas é que, assim que um desejo é satisfeito, ele se abole como desejo: 'O prazer', escreverá Sartre, 'é a morte e o fracasso do desejo'. E, longe de ter o que desejamos, temos então o que desejávamos e já não desejamos. Como ser feliz não é ter o que desejávamos mas ter o que desejamos, isso nunca pode acontecer (já que, mais uma vez, só desejamos o que não temos). De modo que ora desejamos o que não temos, e sofremos com essa falta, ora temos o que, portanto, já não desejamos - e nos entendiamos, como escreverá Schopenhauer, ou nos apressamos a desejar outra coisa." (A Felicidade, Desesperadamente - pg. 28)

Os principais pontos de discussão abordados na obra dizem respeito à felicidade, à sabedoria e à filosofia. Trata-se de uma palestra que foi transformada em um livro e, ao final, são apresentadas perguntas feitas pelos participantes ao autor. Todo o livro é de grande riqueza, trazendo para a atualidade discursos centenários e que nos ajudam a tornar mais leve a nossa caminhada na vida. São pontos de vista que abrem nossa visão para novas possibilidades. 


Grande parte do livro discute a filosofia e a felicidade como elementos altamente relacionados: "O que é a filosofia? (...) Quanto a mim, adotei a resposta que Epicuro dava a essa pergunta. Ela assume devidamente a forma de uma definição: 'A filosofia é uma atividade que, por discursos e raciocínios nos proporciona uma vida feliz'" (pg. 7). Assim como a sabedoria, conforme esta passagem: "A felicidade é a meta da filosofia. Ou, mais exatamente, a meta da filosofia é a sabedoria, portanto a felicidade - já que, mais uma vez, uma das ideias mais aceitas em toda a tradição filosófica, especialmente na tradição grega, é que se reconhece a sabedoria pela felicidade, em todo caso por certo tipo de felicidade" (pg. 9).

É um livro pequeno: são 89 páginas de texto corrido + 47 páginas com perguntas e respostas. A leitura é muito tranquila. Não me atrevo a fazer análises filosóficas da obra, visto que meu conhecimento para tal é insuficiente. Mas para o leitor comum, asseguro que é vantajoso e vale a pena a sua leitura. 

O autor faz uma crítica muito interessante que se encaixa perfeitamente às nossas rotinas atuais: "Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. (...) Pascal explica que jamais vivemos para o presente: vivemos um pouco para o passado, explica ele, e principalmente muito, muito, para o futuro. O fragmento termina da seguinte maneira: 'Assim, como nunca vivemos, esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.'" (pg. 36/37). Me identifiquei tanto com este trecho, que me pus a pensar em como reverter essa situação em minha vida... Ainda vou encontrar uma forma!

Abaixo, mais alguns trechos que achei interessantes: 

"O essencial é não mentir, e antes de mais nada não se mentir. Não se mentir sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade." (pg. 15)

"Enquanto você vê uma diferença entre a salvação e sua vida real, entre a sabedoria e sua vida como ela é, malsucedida, desperdiçada, malograda, você está na sua vida como ela é. A sabedoria não é outra vida, em que de repente tudo iria bem em seu casamento, em seu trabalho, na sociedade, mas outra maneira de viver esta vida, como ela é. Não se trata de esperar a sabedoria como outra vida; trata-se de aprender a amar esta vida como ela é..." ( pg. 126)

"É o que Schopenhauer chama de tédio, que é a ausência da felicidade no lugar mesmo da sua presença esperada. Você pensava: 'Como eu seria feliz se...' E ora o se não se realiza, e você é infeliz; ora ele se realiza, e você nem por isso é feliz: você se entedia ou deseja outra coisa." (pg. 35)

"É por isso que podemos ser felizes, é por isso que às vezes o somos: porque fazemos o que desejamos, porque desejamos o que fazemos!" (pg. 48)

"Só se espera o que se ignora: quando se sabe, já não há por que esperar." (pg. 54)

"Só esperamos o que somos incapazes de fazer, o que não depende de nós. Quando podemos fazer, não cabe mais esperar, trata-se e querer. É a terceira característica: a esperança é um desejo cuja satisfação não depende de nós." (pg. 57)

"Não é a falta que lhe falta; é a potência de gozar o que não lhe falta." (pg. 78)

Sobre esta edição: Comte-Sponville, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 146 p.