"(...) Ora, se só desejamos o que não temos, nunca temos o que desejamos, logo nunca somos felizes. Não que o desejo nunca seja satisfeito, a vida não é tão difícil assim. Mas é que, assim que um desejo é satisfeito, ele se abole como desejo: 'O prazer', escreverá Sartre, 'é a morte e o fracasso do desejo'. E, longe de ter o que desejamos, temos então o que desejávamos e já não desejamos. Como ser feliz não é ter o que desejávamos mas ter o que desejamos, isso nunca pode acontecer (já que, mais uma vez, só desejamos o que não temos). De modo que ora desejamos o que não temos, e sofremos com essa falta, ora temos o que, portanto, já não desejamos - e nos entendiamos, como escreverá Schopenhauer, ou nos apressamos a desejar outra coisa." (A Felicidade, Desesperadamente - pg. 28)
Os principais pontos de discussão abordados na obra dizem respeito à felicidade, à sabedoria e à filosofia. Trata-se de uma palestra que foi transformada em um livro e, ao final, são apresentadas perguntas feitas pelos participantes ao autor. Todo o livro é de grande riqueza, trazendo para a atualidade discursos centenários e que nos ajudam a tornar mais leve a nossa caminhada na vida. São pontos de vista que abrem nossa visão para novas possibilidades.
Grande parte do livro discute a filosofia e a felicidade como elementos altamente relacionados: "O que é a filosofia? (...) Quanto a mim, adotei a resposta que Epicuro dava a essa pergunta. Ela assume devidamente a forma de uma definição: 'A filosofia é uma atividade que, por discursos e raciocínios nos proporciona uma vida feliz'" (pg. 7). Assim como a sabedoria, conforme esta passagem: "A felicidade é a meta da filosofia. Ou, mais exatamente, a meta da filosofia é a sabedoria, portanto a felicidade - já que, mais uma vez, uma das ideias mais aceitas em toda a tradição filosófica, especialmente na tradição grega, é que se reconhece a sabedoria pela felicidade, em todo caso por certo tipo de felicidade" (pg. 9).
É um livro pequeno: são 89 páginas de texto corrido + 47 páginas com perguntas e respostas. A leitura é muito tranquila. Não me atrevo a fazer análises filosóficas da obra, visto que meu conhecimento para tal é insuficiente. Mas para o leitor comum, asseguro que é vantajoso e vale a pena a sua leitura.
O autor faz uma crítica muito interessante que se encaixa perfeitamente às nossas rotinas atuais: "Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. (...) Pascal explica que jamais vivemos para o presente: vivemos um pouco para o passado, explica ele, e principalmente muito, muito, para o futuro. O fragmento termina da seguinte maneira: 'Assim, como nunca vivemos, esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.'" (pg. 36/37). Me identifiquei tanto com este trecho, que me pus a pensar em como reverter essa situação em minha vida... Ainda vou encontrar uma forma!
Abaixo, mais alguns trechos que achei interessantes:
"O essencial é não mentir, e antes de mais nada não se mentir. Não se mentir sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade." (pg. 15)
"Enquanto você vê uma diferença entre a salvação e sua vida real, entre a sabedoria e sua vida como ela é, malsucedida, desperdiçada, malograda, você está na sua vida como ela é. A sabedoria não é outra vida, em que de repente tudo iria bem em seu casamento, em seu trabalho, na sociedade, mas outra maneira de viver esta vida, como ela é. Não se trata de esperar a sabedoria como outra vida; trata-se de aprender a amar esta vida como ela é..." ( pg. 126)
"É o que Schopenhauer chama de tédio, que é a ausência da felicidade no lugar mesmo da sua presença esperada. Você pensava: 'Como eu seria feliz se...' E ora o se não se realiza, e você é infeliz; ora ele se realiza, e você nem por isso é feliz: você se entedia ou deseja outra coisa." (pg. 35)
"É por isso que podemos ser felizes, é por isso que às vezes o somos: porque fazemos o que desejamos, porque desejamos o que fazemos!" (pg. 48)
"Só se espera o que se ignora: quando se sabe, já não há por que esperar." (pg. 54)
"Só esperamos o que somos incapazes de fazer, o que não depende de nós. Quando podemos fazer, não cabe mais esperar, trata-se e querer. É a terceira característica: a esperança é um desejo cuja satisfação não depende de nós." (pg. 57)
"Não é a falta que lhe falta; é a potência de gozar o que não lhe falta." (pg. 78)
Sobre esta edição: Comte-Sponville, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 146 p.
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