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Saturday, January 22, 2011

PEQUENA ABELHA - Chris Cleave

"Não se pode enxergar além do dia porque vocês levaram o amanhã. E porque vocês têm o amanhã diante de seus olhos, não enxergam o que está sendo feito hoje." (Pequena Abelha, Chris Cleave, pg.188)
É um livro bem escrito, que conta uma história interessante. Trata da vida de duas mulheres que se encontram por acaso, no início, mas que, posteriormente, têm suas vidas ligadas. Uma nigeriana (Pequena Abelha) e uma inglesa (Sara). A primeira vive um grande drama e a segunda aparece em sua vida para tentar auxiliá-la em sua batalha. Em um segundo momento, as vidas das duas pessoas voltam a se encontrar e elas passam a se ajudar mutuamente. É uma história forte, que nos chama a atenção sobre a situação precária - e perigosa -  que muitas pessoas na África vivem e também a condição delas no momento em que tentam mudar de país. 

O autor utiliza as duas personagens para contar a trama. Cada capítulo é narrado por uma delas, prevalecendo o ponto de vista da mesma. No inicio parece um pouco confuso, mas no fim, tudo se encaixa e a história é contada. Após essa adaptação inicial, fica bem fácil de ler. 

Vou optar por não falar muito da história, pois o próprio autor pede para não o fazer na capa do livro! E realmente, se eu contar o final, perde a graça. A trama é dividida em dois momentos e locais: primeiro, na Nigéria, onde Pequena Abelha e sua irmã (Nkiruka) encontram-se com Sara e seu marido (Andrew) em uma das praias do país. As duas, ainda crianças, fugiam da perseguição de soldados que foram pagos para exterminar a aldeia de onde vinham. Em um segundo momento, Pequena Abelha foge para Inglaterra, e lá, depois de dois anos presa em um 'Centro de detenção para imigrantes', procura por Andrew e Sara, e é quando suas vidas se encontram novamente. Enfim, resumidamente, é essa a história. 

Abaixo selecionei alguns trechos que achei interessantes e que refletem um pouco da vida das duas personagens principais:

"A morte, claro, é um refúgio. É para onde você vai quando um nome novo ou uma máscara e uma capa não conseguem mais escondê-lo de si mesmo. É para onde você corre quando nenhum dos principados da sua consciência lhe concede asilo." (pg.30)

"Foi horrível para mim não ajudar o homem, mas eu estava decidida, oscilando entre dois tipos de vergonha. Por um lado, a vergonha de não cumprir uma obrigação humana. Por outro, a loucura de ser a primeira de uma multidão a ousar um gesto." (pg.39)

"Esse é o problema da felicidade - ela é toda construída em cima de alguma coisa que os homens querem." (pg. 85)

"Não sei porque a pequena poça de urina me fez começar a chorar. Não sei por que a cabeça da gente escolhe essas pequenas coisas para nos fazer desmoronar." (pg. 86)

"Ainda tremendo, sentada no banco da igreja, compreendi que não é pelos mortos que choramos. Choramos por nós mesmos, e eu não merecia ter pena de mim mesma" (pg. 103) 

Essa edição: CLEAVE, Chris. Pequena Abelha. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

Tuesday, January 11, 2011

AMAR, VERBO INTRANSITIVO - Mário de Andrade

"... Hoje, minha senhora, isso está se tornando uma necessidade desde que a filosofia invadiu o terreno do amor! Tudo o que há de pessimismo pela sociedade de agora! Estão se animalizando cada vez mais. Pela influência às vezes até indireta de Schopenhauer, de Nietzsche... embora sejam alemães. Amor puro, sincero, união inteligente de duas pessoas, compreensão mútua. E um futuro de paz conseguido pela coragem de aceitar o presente." (Amar, Verbo Intransitivo; pg. 78).
No início achei o livro um pouco chato, não me dava muita vontade de lê-lo. Mas mais para a metade, me interessei pela história que estava sendo contada. Talvez porque acabei de sair de um livro mais 'filosofia' e de repente entrar em um romance, pode ter demorado um pouco pra 'cair a ficha'. Achei que deveria lê-lo pois é um dos clássicos da literatura brasileira. Enfim, gostei do livro, mas não entra na minha lista dos favoritos! É uma história diferente e curiosa, para os tempos de hoje. 

A história gira em torno do 'relacionamento' entre Fräulen (Elza) e Carlos. Fräulen tem como profissão 'professora de amor' e Carlos é seu aluno, um jovem burguês de São Paulo, de apenas 16 anos. O pai, Souza Costa, contrata os serviços da professora pois acredita que nos dias de hoje é muito difícil a iniciação sexual de um jovem, uma vez que as 'mulheres da vida' têm muitas doenças. O que ele deseja é que Carlos continue sadio e aprenda a amar. Fräulen então entra na casa da família como governanta, e ensina piano e alemão para as filhas do casal (Souza Costa e Laura), enquanto durante as aulas de alemão para Carlos ela ia, discretamente, suscitando sentimentos diferentes no aluno. Por fim, eles se apaixonam e o  momento da partida de Fräulen se torna difícil e doloroso para ambos.   

De acordo com Telê Porto Ancona Lopez (em texto presente antes do início do livro, pg. 10): "O romance, porém, não pretende apenas contar uma história de amor; como texto moderno e modernista que é, tem muitos outros propósitos... Possui, além da heroína muito e pouco heróica, outra personagem 'principal', esta não participando diretamente da intriga, mas vivendo os percalços do contar - o narrador." Sim, o narrador acaba por roubar a cena algumas das vezes, tentando explicar um pouco dos personagens... Logo na página 57, o narrador afirma que 'Vale, porém não tenho a mínima intenção de exigir dos leitores o abandono de suas Elzas e impor a minha como única de existência real'. Ele acredita que cada leitor acaba por criar uma percepção particular sobre o personagem e, por conseguinte, seu próprio personagem. O livro traz ainda muitas palavras e versos em alemão, acredito devido a origem da professora e de suas aulas. 

Partes selecionadas que achei interessante... acho que tem um viés do livro anterior... enfim, essas são as que gostei mais:

"NÃO EXISTE MAIS UMA ÚNICA PESSOA INTEIRA NESTE MUNDO E NADA MAIS SOMOS QUE DISCÓRDIA E COMPLICAÇÃO" (Destaque do próprio autor. O narrador tratando da filosofia e do amor - pg. 80)

"Carlos se mostra alegre, despreocupado, não vê a doença e vai-se embora. O que não é visível, existe?" (sobre Carlos e sua ajuda a Fräulen quando da doença de Maria Luisa, uma das filhas do casal - pg. 114)

"Que coisa misteriosa o sono! ... Só aproxima a gente da morte, para nos estabelecer melhor dentro da vida..." (sobre a recuperação de uma doença de Maria Luísa, uma das filhas do casal - pg. 115)

"A casa esteve imóvel nesse dia. Todos sofriam. Porque Carlos sofria. O próprio Souza Costa sofria, porém era homem e voltara a achar certa graça no caso, aquilo passava. Os outros imaginavam que não passava. Isto é: não se preocupavam com esses futuros muito condicionais, o importante era o presente. E no presente pirassunungava a dor macota de um, todos sofriam." (sobre o sofrimento de Carlos com a partida de Fräulen - pg. 140)

 Essa edição: Andrade, Mário de. Amar, verbo intransitivo - Idílio. 13 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1986.

Saturday, January 8, 2011

PEQUENO TRATADO DAS GRANDES VIRTUDES - André Comte-Sponville

"Das virtudes quase não se fala mais. Isso não significa que não precisemos mais delas, nem nos autoriza a renunciar a elas. É melhor ensinar as virtudes, dizia Spinoza, do que condenar os vícios. É melhor a alegria do que a tristeza, melhor a admiração do que o desprezo, melhor o exemplo do que a vergonha." Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (A.Comte-Sponville, capa do livro)
Como se pode ver, assim como o texto de 'Ética para o meu filho', este livro trata um tema específico: as virtudes. O autor divide o livro em 18 capítulos que contemplam 18 virtudes. É um texto filosófico, dado que o próprio autor é um filósofo, porém é muito gostoso de se ler. E o principal: não é preciso conhecer filosofia para entendê-lo! As vezes um pouco confuso, mas quando se apreende o estilo da escrita, se torna fácil. Os temas apresentados, juntamente com os respectivos exemplos, nos convidam a refletir sobre aquilo que temos como valores e, principalmente, como agimos em relação ao próximo. É um livro que vale muito a pena ler e indico a todos. Aliás, todos deveriam lê-lo!

Abaixo selecionei alguns trechos que achei interessante de cada uma das 18 virtudes: 

1. A Polidez 
'Há o que é permitido e o que é proibido, o que se faz e o que não se faz. Bem? Mal? A regra basta, ela precede o julgamento e o funda' (pg. 15)
'A polidez, se levada por demais a sério, é o contrário da autenticidade. Os certinhos são como crianças grandes bem comportadas demais, prisioneiras das regras, enganadas quanto aos usos e às conveniências' (pg. 20). 

2. A Fidelidade
'A fidelidade é virtude de memória, e a própria memória como virtude' (pg. 26)
'A infidelidade supõe a memória: uma pessoa só pode ser fiel ou infiel àquilo de que se lembra (um amnésico não poderia nem manter nem trair sua palavra), e é nisso que fidelidade e infidelidade são duas formas opostas da lembrança, uma virtuosa, a outra não' (pg. 27).

3. A Prudência
'De uma virtude intelectual, explicava Aristóteles, pelo fato de haver-se com o verdadeiro, com o conhecimento, com a razão: a prudência é a disposição que permite deliberar corretamente sobre o que é bom ou mau para o homem (não em si, mas no mundo tal como é, não em geral, mas em determinada situação) e agir em consequência, como convier' (pg. 38)
'A prudência é o que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado' (pg. 41)

4. A Temperança
'A temperança é essa moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de seus escravos' (pg. 46)
'Ser temperante é poder contentar-se com pouco; mas não é o pouco que importa: é o poder,e é o contentamento.(...) A ilimitação dos desejos, que nos condena à falta, à insatisfação ou à infelicidade, nada mais é que uma doença da imaginação' (pg. 47)

5. A Coragem
'... digamos um domínio de si e de seu medo, disposição ou domínio de si que, sem serem sempre morais, são pelo menos a condição - não suficiente, mas necessária - de toda moralidade. O medo é egoísta. A covardia é egoísta' (pg. 56)
'Um homem de alma forte, lemos em Spinoza, "esforça-se por agir bem e manter-se alegre"; confrontado com os obstáculos, que são muitos, esse esforço é a própria coragem' (pg. 61)

6. A Justiça
'A justiça é aquilo sem o que os valores deixariam de ser valores ...' (pg. 71)
'A justiça situa-se neste duplo respeito à legalidade, na Cidade, e à igualdade entre indivíduos: "O justo é o que é conforme à lei e o que respeita a igualdade, e o injusto o que é contrário à lei e o que falta com a igualdade"' (pg. 72)
'...é necessário "pôr a justiça e a força juntas"; é para isso que a política serve e é isso que a torna necessária' (pg. 93)

7. A Generosidade
'A generosidade só é uma virtude tão grande e tão gabada porque é muito fraca em cada um, porque o egoísmo é mais forte sempre, porque a generosidade só brilha, na maioria das vezes, por sua ausência...' (pg. 103)
'Ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes...Descartes via nisso não apenas o princípio de toda virtude, mas o bem soberano, para cada um, o qual consiste apenas, dizia ele, "numa firme vontade de agir bem e no contentamento que ela produz."' (pg. 106)

8. A Compaixão
'Compartilhar o sofrimento do outro não é aprová-lo nem compartilhar suas razões, boas ou más, para sofrer: é recusar-se a considerar um sofrimento, qualquer que seja, como um fato indiferente, e um ser vivo, qualquer que seja, como coisa' (pg. 118)
'Cabe acrescentar: mais vale um amor entristecido - o que é, exatamente, a compaixão - do que um ódio alegre' (pg. 121)

9. A Misericórdia
'É cessar de odiar, e é essa de fato a definição da misericórdia: ela é a virtude que triunfa sobre o ressentimento, sobre o ódio justificado (pelo que ela vai além da justiça), o rancor, o desejo de vingança ou de punição' (pg. 132)
'O fato, entretanto, é que perdoaremos mais facilmente quando tivermos consciência das causas que pesam sobre um ato ou, sobretudo, sobre uma personalidade' (pg. 138)
'A misericórdia é a a virtude do perdão, e seu segredo, e sua verdade. Ela não abole a falta mas o rancor, não a lembrança mas a cólera, não o combate mas o ódio. Ela ainda não é amor mas o que faz as vezes dele, quando ele é impossível, ou que o prepara, quando ele seria prematuro.' (pg. 143)

10. A Gratidão
'Agradecer é dar: ser grato é dividir. Esse prazer que devo a você não é apenas para mim. Essa alegria é nossa. Essa felicidade é a nossa. (...) A ingratidão não é incapacidade de receber, mas incapacidade de retribuir - sob forma de alegria, sob a forma de amor - um pouco da alegria recebida ou sentida.' (pg. 146)
'"A vida do insensato", dizia Epicuro, "é ingrata e inquieta: ela se volta toda para o futuro". Por isso eles vivem em vão, incapazes de se saciarem, de se satisfazerem, de serem felizes: eles não vivem, dispõem-se a viver, como dizia Sêneca, esperam viver, como dizia Pascal, depois lamentam o que viveram ou, mais frequentemente, o que não viveram... O passado como o futuro lhes falta.' (pg. 150)

11. A Humildade
'Se alguém imagina sua própria impotência, sua alma "se entristece por isso mesmo".' (pg. 154)
'A humildade, como virtude, é essa tristeza verdadeira de sermos apenas nós.' (pg. 156)

12. A Simplicidade
'Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. (...) Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes - pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência -, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão.' (pg. 163)
'Nada tem a provar, pois não quer parecer nada. Nada tem a buscar, pois tudo está ali.' (pg. 171)

13. A Tolerância
'O direito ao erro só é válido a parte ante; uma vez demonstrado o erro, este deixa de ser um direito e não dá direito algum: perseverar no erro, a parte post, já não é um erro, mas uma falta.' (pg. 174)
'Por isso chamamos de tolerância o que, se fôssemos mais lúcidos, mais generosos, mais justos, deveria chamar-se respeito, de fato, ou simpatia, ou amor...' (pg. 188)

14. A Pureza
'O puro não vê o mal em parte alguma ou, antes, apenas onde ele se encontra, onde o sofre: no egoísmo, na crueza, na maldade... É impuro tudo o que se faz de má vontade, ou com vontade má.' (pg. 195)
'A pureza é pobreza, despojamento, abandono. Ela começa onde cessa o eu, onde ele não vai, onde ele se perde.' (pg. 197)

15. A Doçura
'A doçura é uma força, por isso é uma virtude: é a força em estado de paz, força tranquila e doce, cheia de paciência e de mansuetude.' (pg. 205)
'Faz teu bem com o menor mal possível ao outro' (pg. 208)

16. A Boa-fé
'A boa-fé é uma sinceridade ao mesmo tempo transitiva e reflexiva. Ela rege, ou deveria reger, nossas relações tanto com outrem como conosco mesmos. Ela quer, entre os homens como dentro de cada um deles, o máximo de verdade possível, de autenticidade possível, e o mínimo, em consequência, de artifícios ou dissimulações.' (pg. 214)

17. O Humor
'Não ter humor é não ter humildade, é não ter lucidez, é não ter leveza, é ser demasiado cheio de si, é estar demasiado enganado acerca de si, é ser demasiado severo ou demasiado agressivo, é quase sempre carecer, com isso, de generosidade, de doçura, de misericórdia...' (pg. 229)
'A ironia é isso mesmo: é um riso que se leva a sério, é um riso que zomba, mas não de si, é um riso, e a expressão é bem reveladora, que goza da cara dos outros...' (pg. 232)
'"O humor, ao contrário, é uma manifestação da generosidade: sorrir daquilo que amamos é amá-lo duas vezes mais." Duas vezes mais? Não sei. Digamos que é amar melhor, com mais leveza, com mais espírito, com mais liberdade.' (pg. 236)

18. O Amor
'Sua ausência, mesmo que seja insolúvel, é o que torna as virtudes necessárias: o amor (mas o amor não egoísta) liberta da lei, quando existe, e a inscreve no fundo dos coraçòes, quando falta. (...) Pelo que o amor nos destina à moral e dela nos liberta. Pelo que a moral nos destina ao amor, ainda que ele esteja ausente, e a ele se submete.' (pg. 311)

'Como não somos virtuosos, fingimos ser, é o que se chama polidez. Como não sabemos amar, fingimos amar, é o que se chama moral. E os filhos imitam os pais, que imitam os seus... O mundo é um teatro, a vida é uma comédia, em que, no entanto, nem todos os papéis se equivalem, e nem todos os atores.' (pg. 108)

Essa edição:
Comte-Sponville, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. 2 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009