Pages

Sunday, June 30, 2013

A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - George Orwell

"De certa maneira, era como se a granja tivesse ficado rica sem que nenhum animal houvesse enriquecido - exceto, é claro, os porcos e os cachorros. Talvez isso acontecesse por existirem ali tantos porcos e tantos cachorros. (...) A verdade é que nem os porcos nem os cachorros produziam um só grama de alimento com seu trabalho; e havia um bocado deles, com o apetite sempre em forma." (A Revolução dos Bichos, George Orwell, pg. 103).

A sátira sobre o socialismo na antiga URSS, escrita por George Orwell, é muito interessante. A sua leitura é super fácil e, para quem não sabe que é uma sátira, se passa por um livro até infantil. A história, basicamente, gira em torno de uma fazenda que é tomada pelos animais e por eles comandada. Cada um tem sua tarefa e, inicialmente, visam o bem coletivo, sem a interferência do ser humano, que só servia para escravizá-los. Porém, com o passar do tempo, os animais vão tomando responsabilidades e atividades diversas, e a comida vai sempre ficando escassa para a maioria deles. Os princípios que nortearam a revolução vão aos poucos sendo modificados de acordo com os interesses da minoria líder, que acaba se tornando igual (ou pior) que os humanos.  

É muito interessante perceber a passagem, no decorrer do texto, de uma visão pluralista, em que todos estão satisfeitos e felizes, trabalhando em prol da coletividade, para uma visão autoritarista, em que, apesar dos constantes discursos envolvendo a todos, percebe-se claramente que alguns poucos estão se aproveitando da 'boa vontade' e do sentimento coletivo de melhoria da maioria. O site Info Escola traz uma resenha interessante da história, destrinchando os pormenores.   

Recomendo a leitura e, inclusive, com um olhar crítico, relacionando o que acontece na obra ao que ocorre no nosso dia a dia. O coletivo, infelizmente, tende a ser submetido aos interesses de poucos, o que pode acabar desvirtuando os princípios ideológicos de vários movimentos e tentativas de melhoria que visam o todo. Além disso fica claro que os líderes se aproveitam da 'memória curta' dos personagens que, por não se lembrarem bem de como determinados fatos tinham acontecido na realidade, acabavam aceitando novas imposições e mudanças nas 'leis' vigentes.  

Vamos aos trechos que achei mais interessantes do livro: 

"O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais." (Discurso de Major para todos os animais da granja, pg. 12)

"E lembrai-vos, camaradas, jamais deixai fraquejar vossa decisão. Nenhum argumento vos poderá desviar. Fechai os ouvidos quando vos disserem que o Homem e os animais têm interesses comuns, que a prosperidade de um é a prosperidade dos outros. É tudo mentira. O Homem não busca interesses que não os dele próprio." (Discurso de Major para todos os animais da granja, pg. 14)

"O mistério do leite de pronto se esclareceu. Era misturado à comida dos porcos. As maçãs estavam amadurecendo, e a grama do pomar cobria-se de frutas derrubadas pelo vento. Os bichos acharam que as frutas seriam distribuídas equitativamente; certo dia, porém, chegou ordem para que todas as frutas caídas fossem recolhidas e levadas ao depósito das ferramentas para o consumo dos porcos. Alguns bichos murmuraram a respeito, mas foi inútil." (Sobre o leite e as maçãs, pg. 33)

"Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais lembraram - ou julgaram lembrar - que o Sexto Mandamento rezava: "Nenhum animal matará outro animal". Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros, parecia-lhes que a matança ocorrida não se encaixava muito bem nisso. Quitéria pediu a Benjamim que lesse o Sexto Mandamento, e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a tomar parte em tais assuntos, ela procurou Maricota, que leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: "Nenhum animal matará outro animal, sem motivo"." (pg. 75)

Sobre essa edição: Orwell,George. A revolução dos bichos: um conto de fadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (22a reimpressão)

O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO - José Saramago

"(...) Este é o seu dia de morrer. Mãe, os cordeiros que de ti nasceram terão de morrer, mas tu não hás-de querer que morram antes do seu tempo, Cordeiros não são homens, muito menos se esses homens são filhos, Quando o Senhor mandou a Abraão que matasse seu filho Isaac, não se percebia então a diferença, Sou uma simples mulher, não te sei responder, só te peço que abandones esses maus pensamentos, Ó minha mãe, os pensamentos são o que são, sombras que passam, e não são bons nem maus em si mesmos, só as ações é que contam, Louvado seja o Senhor que me deu um filho sábio, a mim que sou uma pobre ignorante, mas sempre te digo que essa não é a ciência de Deus, Também se aprende com o Diabo, E tu estás em poder dele, Se foi pelo poder dele que este cordeiro teve a sua vida salva, alguma coisa se ganhou hoje no mundo. Maria não respondeu. (...)" (Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago, 1991 - 46a reimpressão - pg. 254)
Havia tempo que eu queria ler esta obra, mas sempre me prendia a outros livros e autores. Então ganhei este de presente de Natal, oportunidade mais que bem vinda para concluir mais uma leitura de Saramago. Já familiarizada com as características do autor, achei o texto bem tranquilo de ler.

A história, como o próprio nome diz, traz a vida de Jesus Cristo desde os acontecimentos antes de seu nascimento até o momento de sua morte. Desconhecedora que sou do texto bíblico, não vou afirmar quais partes do texto foram abrangidas ou não (mais um estímulo para ler a bíblia!). Mas o que me chamou a atenção é a forma que o autor apresenta os personagens, trazendo a imagem de que, antes de tudo, são pessoas 'comuns', que têm suas necessidades, seus sentimentos, seus medos, suas dúvidas e seus desejos. Isso perpetua por todo o texto, o que me fez sentir grande compaixão pelo personagem principal. Como disse no post sobre o livro Caim , pessoas devotas fervorosas provavelmente não irão gostar do livro, visto que ele apresenta este 'outro lado' dos personagens. 

Interessante a crítica tecida por José Paulo Paes, na contracapa do livro: "(...) Na que é de justiça reconhecer a melhor prosa de ficção da língua portuguesa de nossos dias, José Saramago nos conta mais uma vez a mesma história que vem sendo contada há tantos séculos. A mesma? Sim, se se tiver em vista tão só os personagens e os sucessos da fábula. Não, se se atentar para a nova carnadura de que aqui se revestem. Interessado menos na onipotência do divino que na frágil mas tenaz resistência do humano, a arte magistral de Saramago excele no dar corpo às preliminares e à culminância do drama da Paixão, presentificando-lhes as cores, cheiros, sons, movimentos, esmiuçando-lhes as ambiguidades e implicações em busca de significados recônditos por sob os ostensivos" (Texto presente na contracapa do livro).

Como de costume, passarei para os trechos interessantes do livro:

"O escriba endireitou lentamente a cabeça, olhou-o com a expressão de quem acabasse de sair de um sonho, e, após um longo, quase insuportável silêncio, disse, A culpa é um lobo que come o filho depois de ter devorado o pai, Esse lobo de que tu falas já comeu meu pai, Então só falta que te devore a ti, E tu, na tua vida, foste comido ou devorado, Não apenas comido e devorado, mas vomitado". (Conversa entre Jesus e um escriba no Templo, após a morte de José, pg. 213)

"(...)Eu avisei-te, disse Maria, com força, Avisaste-me quando o mal estava feito, se mal foi, que eu olho para mim e não o encontro, respondeu Jesus, Não há cego tão cego como aquele que não quer ver, disse Maria. Estas palavras enfadaram muito Jesus, que respondeu, repreensivo, Cala-te mulher, se os olhos do teu filho viram-no depois de ti, mas estes mesmos olhos, que para ti parece que estão cegos, viram também o que nunca viste e com certeza não verás. A autoridade do filho primogênito e a dureza do tom, além das enigmáticas palavras finais, fizeram ceder Maria, mas a sua resposta ainda levou uma última advertência, Perdoa-me, não foi minha intenção ofender-te, queira o Senhor guardar-te sempre a luz dos olhos e a luz da alma, disse." (Conversa entre Jesus, Maria e Tiago, quando Jesus tentara ajudar seu irmão nas atividades de carpintaria, pg. 299)

"De que se trata, perguntou Jesus, agora sem disfarçar o interesse, Todo homem, respondeu Deus, em tom de quem dá lição, seja ele quem for, esteja onde estiver, faça o que fizer, é um pecador, o pecado é, por assim dizer, tão inseparável do homem quanto o homem se tornou inseparável do pecado, Não respondeste à minha pergunta, Respondo, sim, e desta maneira, a única palavra que nenhum homem pode repelir como coisa não sua é Arrepende-te, porque todos os homens caíram em pecado, nem que fosse uma só vez, tiveram um mau pensamento, infringiram um costume, cometeram um crime menor ou maior, desprezaram quem deles precisou, faltaram aos deveres, ofenderam a religião e os seus ministros, renegaram a Deus, a esses homens não terás de dizer mais do que Arrependei-vos Arrependei-vos Arrependei-vos (...) (Conversa entre Jesus, Deus e o Diabo no barco, pg. 376).


Dados dessa edição: Saramago, José. O Evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. (46a reimpressão).