"Faz mais de sessenta anos que vi pela última vez algum parente de sangue. É quase impossível acreditar que cheguei a esta idade, oitenta e dois anos, e que passei com meus familiares uma parcela tão pequena do tempo que me foi concedido. Fui relapso em minhas obrigações para com eles, embora na época eu não enxergasse dessa maneira. Pois querer mudar meu destino seria como querer mudar a cor de meus olhos. As circunstâncias me levaram de uma coisa a outra, e depois a outra, e mais outra, como acontece com todos os homens, e dei um passo após o outro sem questionar. E então um dia eu parei. E estava velho. E eles tinham partido." (pg. 10, O Palácio de Inverno, John Boyne)
Até então não havia lido nenhum livro desse autor. E me surpreendi. A começar por esse trecho assinalado acima, que me deixou bastante inquieta: a efemeridade da vida. Começar o livro com uma afirmativa desse teor, já mostra sinais do conteúdo da história que seria lida. Nas primeiras páginas, pensei que não ia gostar muito... O achei um tanto depressivo. Mas acabei me envolvendo no estilo peculiar do autor e gostei do que li. O autor vai e volta na vida de Geórgui, trazendo ao leitor a infância e a vida adulta do personagem intercaladas nos capítulos.
A vida de Zoia e Geórguie é contada pela perspectiva deste último, perpassando a Rússia do Czar Nicolau II e a Inglaterra do pós-guerra. A história gira, basicamente, em torno desses dois períodos. Ao salvar a vida do primo do czar, Geórguie é convidado a se mudar para o Palácio de Inverno, onde irá trabalhar como guarda-costas do filho do czar, Alexei. Ele se muda para Moscou e 'se esquece' de sua família de sangue, buscando uma vida melhor do que a que tinha na pequena vila de Cáchin. Desde sua chegada, ele se sente atraído por Anastácia, uma das filhas do czar. Toda a história está baseada nessa mudança de vida que desencadeia vários acontecimentos. Não posso adiantar muita coisa, pois acabaria por contar pontos reveladores da trama! Já na idade mais avançada de sua vida, Geórgui passa por uma experiência dolorosa, que é perder o grande amor de sua vida - Zoia - para o câncer.
Sinceramente, não recomendo para pessoas que estejam um tanto... desanimadas ou depressivas! Como apontado abaixo nos trechos elencados, são várias passagens que relatam fatos da vida cotidiana mas que são, de certa forma, dramáticos e até desanimadores. Portanto leiam com alegria no coração!
Mais informações sobre o livro no site da Companhia das Letras.
Trechos interessantes:
"Há momentos em que invejo a sua juventude, mas tento não me deter nisso. Um velho não deve se ressentir com os que vieram lhe tomar o lugar, e lembrar quando eu era moço, másculo e saudável é um ato de masoquismo que não leva a nada. Ocorre-me que, embora Zoia e eu ainda estejamos vivos, minha vida já acabou. Zoia me vai ser tirada em breve, e não haverá nenhuma razão para eu continuar sem ela. Somos uma pessoa só, vocês entendem. Somos GeórguieZoia." (pg. 23, Geórguie pensando em seu neto, Michael, filho de Arina)
"- Oh, não é o que você está pensando - respondeu abanando a cabeça - Não desta vez, juro. Só estou dizendo que, quando chegar a hora, e vai ser logo, não vou lamentar. Quando basta, basta, entende, Geórgui? Você nunca sente isso? Veja essa vida que vivi, e que vivemos juntos. Pense nisso. Como conseguimos sobreviver todo esse tempo? - Ela abanou a cabeça e soltou um longo suspiro, como se a resposta fosse muito simples e evidente - Quero que acabe, Geórgui. Só isso. Quero apenas que acabe." ( pg. 121, Zoia conversando com Geórgui sobre a vida)
"Irritabilidade. Petulância. Ansiedade. Desejo subconsciente de notar algo de errado em qualquer expressão que ela usasse. Necessidade de criticá-la, de fazê-la se sentir mal consigo mesma. Eu notava isso a cada vez que falávamos. E odiava o fato. Não era assim que devíamos ser. Devíamos nos amar, tratar um ao outro com respeito e gentileza. Afinal, nunca fomos Geórgui e Zoia. Éramos GeórguieZoia." (pg. 165, Geórgui pensando sobre a atual situação do relacionamento com Zoia)
"O táxi faz uma curva fechada à esquerda, depois à direita, e antes que eu me dê conta passamos pelo Museu Britânico. Olho os dois leões ao lado das portas e revejo minha hesitação ali, antes de entrar e conhecer o Sr. Trevors na manhã em que me entrevistou, a mesma manhã em que Zoia começou a trabalhar como costureira em Newsom. Faz tanto tempo, eu era tão jovem, a vida tão difícil, mas eu daria tudo para voltar àquele momento e entender a sorte que tive. Ter minha juventude e minha esposa, nosso amor e nossa vida diante de nós." (pg. 443, Geórgui, no momento em que Zoia falece e ele vai ao hospital)
Dados dessa edição:
BOYNE, JOHN. O palácio de inverno. Companhia das Letras: São Paulo, 2009.