“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós entendemos a ele.”
(José Saramago, Caim, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.88)
"Se, em 'O Evangelho segundo Jesus Cristo', José Saramago nos deu sua visão do Novo Testamento, neste Caim ele se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marcam sua obra. Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo, involuntária, entre criador e criatura.
Para atravessar esse caminho árido, um deus as turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogênito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los. A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniquidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos. Tal como o diabo de 'O Evangelho', o deus que o leitor encontra aqui não é o habitual dos sermões: ao reinventar o Antigo Testamento, Saramago recria também seus principais protagonistas, dando a eles uma roupagem ao mesmo tempo complexa e irônica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar.
A volta aos temas religiosos serve, também, para destacar o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: aqui, a capacidade de tornar nova uma história que conhecemos de cabo a rabo, revelando com mordacidade o que se esconde nas frestas dessas antigas lendas. Munido de ferina veia humorística, Saramago descreve uma estranha guerra entre o homem e o senhor. Mais que isso, investiga a fundo as possibilidades narrativas da Bíblia, demonstrando novamente que, ao recontar o mito e confrontar a tradição, o bom autor volta à superfície com uma história tão atual e relevante quanto se pode ser".
Fonte: capa do livro.
Acho que essa resenha apresentada na capa do livro explica muito bem o que o leitor vai encontrar nas páginas de "Caim". O livro é de fácil leitura e muito me agradou lê-lo. Ver a história sob uma perspectiva totalmente diversa daquela que estamos acostumados nos faz ter uma visão crítica acerca do que temos como verdade. O que é ali apresentado me incitou a repensar e refletir sobre o que é deus e tudo aquilo que acredito (ou não) e levo comigo.
Para aqueles que são muito religiosos, não aconselho a sua leitura! A forma como Saramago apresenta os fatos pode gerar certo desconforto.